Terrorismo e grandes eventos no Brasil: Necessidade premente de inovações legislativas ANTES do mal
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Por Marcelo Eduardo Freitas |
Passados mais de 12 anos desde o maior ataque já
sofrido pelos Estados Unidos em seu território continental, o “11 de setembro”
revolucionou as relações internacionais e mantém sua influência sobre a pauta e
o modo como a política internacional é conduzida pelos diversos países. Com
sensíveis diferenças nos níveis de prioridade, o terrorismo passou a integrar,
de forma permanente, os debates sobre a formulação de política externa em todas
as nações do mundo. Nas palavras de Cassiana Borilli, “seja por legitimidade no
tratamento do assunto, seja por instrumentalização política visando fins
paralelos, as unidades estatais enfrentam a dificuldade em lidar com novas
ameaças provindas de atores não estatais, assim como com comportamentos
agressivos e unilaterais de algumas potências”.
A primeira vez em que o terrorismo internacional foi
introduzido para debate em uma organização internacional foi em 1972, na
Assembleia Geral da ONU. Na ocasião, muitas nações africanas passavam pelo
processo de independência, sendo o terrorismo um dos mecanismos pelos quais as
populações locais agiam como forma de forçar os colonizadores a negociar a
independência.
Até a década de 1980, o mundo enfatizou as causas
implícitas ao terrorismo e o direito à autodeterminação dos povos. A partir de
1985, o enquadramento do tema como conhecemos atualmente começou a tomar forma,
no ensinamento de Ciro Leal Cunha, com a “consensual condenação e qualificação
criminal de todos os atos, métodos e práticas de terrorismo, cometidos em
qualquer lugar e por qualquer pessoa”.
A partir da década de 1990, todas as resoluções da
ONU incluíam o repúdio ao terrorismo, mas em 1994 foi aprovada a resolução que
convocou todos os países à cooperação internacional antiterrorista. Sem haver
definição para o que seria considerado terrorismo e sem haver menção de combate
das causas subjacentes, deu-se início à vertente repressiva e coercitiva do terrorismo
internacional.
No Brasil, logo após os atentados daquele fatídico e
inesquecível 11 de setembro de 2001, além do repúdio ao terrorismo, previsto na
Constituição, houve certa convergência com a visão preconizada pelos Estados
Unidos de que o terrorismo era uma afronta ao direito da liberdade. Aqui,
classificou-se o terrorismo como um ultraje à democracia. Contudo, a postura
brasileira foi diferente da norte americana, pois incentivou o aumento das
liberdades e não a restrição dessas, e defendeu que uma medida necessária ao
combate do terrorismo seria a luta contra a intolerância e o irracionalismo.
Nas palavras do então presidente Fernando Henrique Cardoso, “depois de tanto
avanço democrático no mundo, o terrorismo é inaceitável sob qualquer pretexto e
qualquer argumento. Ele é um ato contra a razão, portanto é um ato contra a
democracia. É o ato, portanto, contra a humanidade, é o ato contra o diálogo, é
o ato contra a convivência entre os povos. Ele é inaceitável, em princípio, e
nós, a uma só voz, protestamos imediatamente”.
Para o Brasil, entretanto, a temática do terrorismo
não possui tanta relevância na agenda política interna, interpretando-o como
uma espécie de criminalidade organizada, e não como uma forma de guerra de
baixa intensidade que deve ser abordada por meios militares. Uma das razões
para o discurso brasileiro é a conhecida (in)capacidade bélica do país. Por
isso, a defesa do uso limitado da força, da autodeterminação e o repúdio à
intervenção.
Em termos de cooperação internacional antiterrorista,
o Brasil já negociou acordos bilaterais com 25 países, em que as principais
contribuições têm ocorrido na coordenação da Agência Brasileira de Inteligência
(ABIN) e da Polícia Federal (PF) com outras agências de segurança e
inteligência espalhadas pelo mundo, além do combate ao uso transfronteiriço
criminoso de sistemas bancários. Nesse sentido, boa parte do esforço brasileiro
se dá pelas políticas e pelo aparato estatal doméstico que o governo emprega na
repressão e combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro.
Não obstante estarmos em uma zona tranqüila do globo
terrestre, ao menos no que se refere ao terror, o entorno do Brasil tem
demonstrado ser um espaço de iniciativas terroristas de caráter desafiador para
o nosso país. Especialmente no que tange a região da Tríplice Fronteira em que,
por exemplo, a cidade de Buenos Aires já foi alvo de dois ataques,
respectivamente, nos anos de 1992 e 1994.
Assim, sem sombra de dúvidas, a necessidade de
tipificação legal do terrorismo em nosso país é urgente, mormente em razão dos
grandes eventos que o Brasil sediará muito em breve: Copa do Mundo de 2014 e os
Jogos olímpicos de 2016. Precisamos, dessa forma, deixar claro se a queima de
ônibus, com crianças indefesas dentro, representa ou não atos hostis ao Estado
brasileiro. O uso de artefatos explosivos em manifestações populares contra
pessoas indefesas será considerado ofensa a qual dispositivo legal? Serão ou
não atos terroristas?
No Congresso Nacional existem alguns projetos de lei
apresentados para tipificar o crime de terrorismo. Têm-se como exemplos os
projetos apresentados pelo Deputado Feldman (PL nº 4.674, de 2012), pelo
Senador Aloysio Nunes Ferreira (PLS nº 762, de 2011) e no bojo da reforma do
código penal (PLS nº 236, de 2011). Contudo, nada de concreto e aplicável em
caso de eventos extremos fora apresentado ao povo brasileiro. Estamos órfãos de
uma legislação antiterror. Relembro que hoje nem mesmo a explosão de um
homem-bomba no interior de um estádio de futebol, com milhares de pessoas ao
seu redor, será considerado um atentado terrorista.
Dessa maneira, urge o estabelecimento de contornos
jurídicos concretos e razoáveis para a repressão penal de atos terroristas, já
que, de um lado, eles são expurgados pela Constituição Federal de 1988 e por
muitos tratados ratificados pelo Brasil, gerando a obrigação jurídica de
fazê-lo. Precisamente, nossa ordem constitucional considera o repúdio ao
terrorismo como um princípio que rege nossas relações internacionais (art. 4º,
inc. VII, da CF), além de reputá-lo como inafiançável e insuscetível de graça
ou anistia (art. 5º, XLIII, da CF). De outro lado, em razão de não haver entre
nós tipificação desse crime, torna-se confusa a aplicação pelos órgãos internos
dos instrumentos legais existentes, o que implica na criação de doutrinas
autônomas e, muitas vezes, contraditórias, por parte dos órgãos estatais.
Vale ressaltar, de outro giro, que o único tipo penal
que expressamente menciona o terrorismo, aqui no Brasil, remonta ao final do
regime militar, no contexto da lei de segurança nacional (Lei nº 7.170, de
1983), em seu artigo 20, ao mencionar a expressão “atos de terrorismo”, sem,
entretanto, descrever quais seriam tais atos e como se configurariam.
Em recente reportagem, o Jornal Folha de São Paulo
ressaltou a preocupação do “Planalto e do PT” com o atual formato proposto em
virtude do risco de se abrir para que os movimentos sociais sejam
criminalizados. “A preocupação do governo é que movimentos e manifestantes
ligados ao partido possam responder pelo crime de terrorismo”, ressaltou a
Folha.
A preocupação apresentada é relevante! Entretanto,
não podemos deixar o Brasil sem uma legislação que defina claramente o que
entendemos por terrorismo e quais são as conseqüências de eventuais atentados em
nosso território, sejam estes praticados por extremistas externos ou por
nacionais revoltosos. A resposta que daremos amanhã dependerá certamente do que
faremos hoje! Acredito na passividade dos povos, mas não podemos esperar,
silentes e inertes, a ação do mal. Ela pode vir sim! Devemos, entretanto, estar
preparados! O alerta bíblico é perfeitamente aplicável em situações que tais:
“vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do homem há de
vir” (MT 25, 13). Estejamos atentos!
*Dr. Marcelo é delegado de Polícia Federal
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