Previdência: fraudes, desvios e a necessidade de novo modelo
Em 1976, o
jornalista Aor Ribeiro publicou o livro “Terror e mortes no reino das
fraudes”, no qual demonstra com farta documentação
as formas fraudulentas de ataque ao sistema previdenciário
brasileiro. Sobretudo fraudes na concessão de benefícios, isto
é, há alguém que não tem direito e, mesmo assim, obtém
o benefício mediante os mais distintos ardis.
Aliás, tais armadilhas não
são privilégio da previdência social, pois agora, durante o pagamento
do auxílio emergencial, inúmeros servidores públicos, civis
e militares receberam o auxílio sem terem esse direito. Todos deveriam estar
respondendo processo administrativo para serem colocados no olho da rua. É o
mínimo que se poderia esperar. O dinheiro destinado aos pobres foi
parar no bolso de reles criminosos.
A previdência social padece
de gravíssimos problemas gerenciais e são muitos os desvios por
fraude. Auditorias do TCU já registraram esse fato dezenas de vezes e nada se
fez para a modificação desse estado de coisas.
E não se trata de acusar este
ou aquele governo. Parece algo intrínseco, como se fosse parte de mecanismo
defeituoso de constituição da estrutura...
Ora, como sempre será
necessário que haja alguma modalidade de previdência social e como a capacidade
de financiamento do sistema caminha para o esgotamento, urge que sejam
debatidas propostas sérias de arrumação da casa.
O problema de fundo, porém, é
que o estado do bem-estar brasileiro, nascido em 1988, não é mais viável.
François Ewald, há trinta e
cinco anos, no livro L´Etat Providence (Paris, Grasset, 1986), já
demonstrara esse fato. Não era uma profecia, e sim a constatação pura e simples
de certa situação incontornável.
Alguns poderão ficar
preocupados; contudo, vale repetir: a previdência não vai acabar. Ela será
reduzida, mantidos os direitos adquiridos. Sempre haverá dinheiro para pagar.
Às vezes editam propaganda
enganosa, falsa e mentirosa, o que hoje se denomina genericamente fake news,
apregoando que a previdência social está quebrada. Não é verdade. É bom lembrar
que a Lei 8.213, de 1991, que é o plano de benefícios da previdência social
explicita bem: “se faltar dinheiro no caixa da previdência social, o governo
federal deve suprir os recursos necessários e suficientes ao custeio das
prestações”. Portanto, nenhum dos aposentados e pensionistas deve se
afligir, pois receberão até o último centavo do valor dos respectivos
benefícios.
Esta reflexão só quer servir
como alerta. Há fraudes! Cumpre dar-lhes cabo pelos meios de
persecução penal bastante conhecidos e eficazes. Há defeitos na equação
financeira do sistema que, com a atual modelagem, não é mais viável. Que se
engendrem os mecanismos aptos a corrigi-lo e provê-lo dos recursos necessários.
Para aqueles que
perguntam por que não acabar com o atual modelo, a
resposta é bem singela: não há, agora, condições políticas para a
privatização da previdência social.
Vale destacar que a
privatização tentada no Chile resultou em retumbante fracasso. Logo após o
início do processo, implantado sem nenhuma discussão com a sociedade, das seis
entidades privadas criadas para gerir o programa uma quebrou e foi necessário
que o Estado voltasse a tomar conta do assunto a fim de evitar uma tragédia.
É estranho que com todo o
aparato de informática e com toda a tecnologia não se tenha até agora inibido
as fraudes. É igualmente estranho que os longos e enfadonhos debates sobre a
reforma tributária e as inumeráveis reformas previdenciárias ainda não tenham
dado resposta ao problema elementar do financiamento previdenciário.
Mas há também algo que
virou lugar comum. E, nesse caso, não temos o que estranhar, mas
sim que nos envergonhar. É a dos desvios, para outras
finalidades, com autorização legislativa, dos recursos que deveriam ser
destinados à previdência social. O mais triste e lamentável exemplo desses
desvios atendeu, ultimamente, pelo nome de DRU – desvinculação das receitas d a
União – nome elegante para significar o desvio de recursos das áreas da saúde,
da previdência e da assistência social.
Eis aí algo que não
pode mais ser tolerado.
Wagner Balera é professor Titular de
Direitos Humanos na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo — PUC-SP. É Livre-Docente em Direitos Humanos, Doutor em Direito das
Relações Sociais. Autor de mais de 20 livros da área de Direitos Humanos.
Professor Titular de Direito Previdenciário da PUC-SP é sócio do
escritório Balera, Berbel & Mitne Advogados.
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