Já era previsto: MPF pede suspensão de mineração de lítio na região
O
Ministério Público Federal (MPF) enviou uma recomendação à Agência Nacional de
Mineração (ANM) para que suspenda e revise as autorizações de pesquisa e
extração de lítio na região. A medida busca garantir a consulta prévia, livre,
informada e de boa-fé de comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais que
não foram ouvidas antes da liberação dos projetos. Os abusos das mineradoras já
foram denunciados pela Folha Regional em dezembro de 2024: Veja aqui.
O
MPF também pede que a ANM se abstenha de conceder novas permissões sem o
diálogo adequado com as comunidades. A recomendação é resultado de um inquérito
civil que apura o desrespeito aos direitos étnico-raciais e territoriais dessas
populações diante do avanço da mineração na região. De acordo com dados
levantados em fevereiro de 2024 pela Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e
Articulação de Políticas Públicas, da Secretaria da Presidência da República, existiam
cerca de 6.275 processos em distintas fases para exploração de minérios na
região.
Apuração – Durante a
apuração, a ANM informou ao MPF que não via necessidade de consulta prévia,
alegando que a legislação minerária não previa tal obrigação. O MPF, no
entanto, ressalta que essa posição contraria a legislação brasileira e tratados
internacionais, como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT).
O
direito de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé garante que o Estado
dialogue com as comunidades antes de aprovar projetos que as afetem. O objetivo
é buscar o consentimento ou um acordo. O Supremo Tribunal Federal (STF)
reconhece a Convenção nº 169 da OIT, conferindo-lhe um status supralegal,
ou seja, superior a outras leis do nosso país.
Escassez de água - Perícias do MPF
concluíram que o Projeto Neves, da empresa Atlas Lithium, tem causado severa
restrição hídrica e de acesso à água. As atividades, como obras em estradas,
resultaram no rompimento de tubulações de abastecimento em comunidades como
Calhauzinho e Passagem da Goiaba, com incidentes semelhantes observados em
outras localidades. O relatório aponta que a ampliação da mineração aumentará a
pressão sobre a infraestrutura e os recursos hídricos da região.
Laudo
técnico elaborado pelo MPF apontou, ainda, deficiências no Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) apresentado pela Sigma Mineração, em 2021, em relação aos
impactos nos recursos hídricos pela exploração de minério na região de Araçuaí
e Itinga. A localização das duas cavas – locais de retirada de material para
explorar o minério - levanta sérias preocupações quanto à interferência no
Ribeirão Piauí, em especial pelo rebaixamento do nível d’água para a lavra.
No
laudo, a perita aponta que a situação é particularmente crítica, visto que o
Ribeirão Piauí constitui a principal fonte de abastecimento de
água para os moradores da área e comunidades rurais no entorno,
especialmente em períodos de estiagem.
As
perícias também constataram a tomada irregular de territórios de comunidades
tradicionais, o que causa a desestruturação das economias locais e a devastação
de ecossistemas nativos. Em Araçuaí, por exemplo, os territórios de pelo menos
duas comunidades estão sobrepostos por três processos minerários. No total, 248
comunidades em 19 municípios do Vale do Jequitinhonha foram identificadas como
impactadas, seja pela sobreposição de processos ou pela instalação de
infraestrutura de mineração.
Racismo Sistêmico e
Impacto Cultural -
A recomendação também destaca a persistência do racismo e da discriminação
racial que marginaliza e expõe essas comunidades a vulnerabilidade e violência.
O documento reforça que a negação histórica da identidade e a restrição de
direitos sobre a propriedade, cultura e acesso a recursos naturais são manifestações
dessa discriminação estrutural. A mineração impacta diretamente o artesanato em
barro, considerado Patrimônio Cultural de Minas Gerais, afetando o sustento de
muitas famílias, especialmente as mulheres. O MPF reafirma o dever do Estado de
proteger esses grupos.
Para
o procurador da República Helder Magno da Silva, autor da recomendação, “a exploração do lítio não pode repetir um
ciclo histórico de exploração predatória e exclusão social no Vale do
Jequitinhonha. É dever do Estado garantir o direito à consulta prévia, livre e
informada, para que as comunidades possam decidir sobre o futuro de seus
territórios e modos de vida.”
Autodeclaração como
critério legítimo
– Helder Magno também reafirma o entendimento consolidado da 6ª
Câmara de Coordenação e Revisão (6CCR) do MPF, especializada na temática de
povos e comunidades tradicionais, que em seus enunciados declara que a
autodeclaração dos territórios tradicionais pelas comunidades é legítima e tem
efeitos jurídicos.
Pedidos – A recomendação pede que a ANM, no prazo de 20 dias, adote as providências para rever as autorizações existentes, suspender as atividades em andamento sem a devida consulta prévia, livre, informada e de boa fé, e se abster de conceder novas licenças sem o cumprimento do diálogo com as comunidades. Caso a ANM não acate a recomendação, o MPF poderá tomar outras medidas administrativas e judiciais cabíveis.

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