Após enxurrada de denúncias, MP pede indenização de R$ 50 milhões contra a Sigma Lithium

Ação Civil Pública acusa mineradora de causar graves danos socioambientais em comunidades rurais, que fazem protestos e acionam a justiça.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio da Promotoria de Justiça de Apoio Comunitário de Araçuaí, ingressou com Ação Civil Pública (ACP) contra a empresa Sigma Mineração para que repare danos causados pela atividade na mina conhecida como Grota do Cirilo. O Inquérito Civil movido pelo MP apontou fortes impactos na qualidade do ar, na saúde, na convivência comunitária e no modo de vida das comunidades rurais de Piauí Poço Dantas, Ponte do Piauí e Santa Luzia, todas em Araçuaí. A ação pede, em caráter liminar (ou seja, com efeitos imediatos), a oferta de reassentamento para moradores, a criação de uma nova estrada para acesso a residências do entorno da mina, o custeio de programas de saúde, a suspensão de propagandas que tratam a empresa como sustentável e a contratação de auditoria para vigilância da qualidade do ar e de assessoria técnica independente para apoio jurídico aos atingidos pelo empreendimento.

Como pedido definitivo (ou seja, após o julgamento do caso), o MP requer à Justiça que condene a empresa a indenizar as comunidades atingidas em R$ 50 milhões. Conforme os pedidos, a mineradora deverá custear a auditoria técnica externa e reparar todos os danos ambientais e sociais que a fiscalização vier a detectar. A contratação de assessoria técnica independente para as famílias é outro pedido do MP. O apoio deverá ser prestado por entidade escolhida pelas comunidades e custeada pela mineradora. A ideia é que os moradores atingidos tenham plena ciência dos impactos que estão sofrendo e consigam embasar-se tecnicamente e organizar-se coletivamente para acompanhar a reparação.

O MP incluiu no pedido, ainda, a indenização de todos os danos individuais causados pelo empreendimento. Caso aceito pela Justiça, a identificação e a valoração dos prejuízos deverão ser feitas por perícia especializada independente, sem vinculação com a empresa. Por fim, devem ser criados programas de monitoramento da saúde e de desenvolvimento econômico das comunidades, além do encerramento definitivo de todas as campanhas publicitárias que dissimulem uma pretensa responsabilidade socioambiental da empresa.

Exploração do lithium não cumpre regras básicas, atropelando direitos de famílias carentes em comunidades próximas à mina.

O inquérito movido pelo MP demonstrou uma série de violações a direitos fundamentais das comunidades do entorno da mina. A apuração envolveu visitas presenciais à mina e a 119 casas, dados de monitoramento ambiental da própria empresa, pesquisas quantitativas e qualitativas com 82 moradores e análises de documentos de órgãos públicos. Como impactos mais relevantes, as investigações apontaram queda da qualidade do ar pelo excesso de poeira, poluição sonora, vibrações no solo por constantes explosões e isolamento social ou prejuízo grave ao deslocamento.

O estudo de impacto mostrou, por exemplo, que 56% das famílias relataram alto teor de poeira no ar, número que aumenta significativamente à medida que as casas ficam mais perto da mina. A percepção foi comprovada, em paralelo, por dados da própria mineradora, que mostraram como os índices de material particulado fino, altamente prejudicial à saúde respiratória, ultrapassaram o limite anual em todos os pontos de monitoramento na média de 2023.

No caso da poluição sonora, a investigação mostrou que 100% das famílias pesquisadas percebem o barulho das explosões em seus cotidianos, sendo que sete em cada dez consideram os ruídos altos ou muito altos. A perturbação acontece tanto durante o dia quanto à noite.

Além dos ruídos, as explosões provocaram rachaduras em 50% das casas do entorno do empreendimento. Há relatos de temor de desmoronamento de alguns imóveis, tamanha a extensão dos danos nas paredes.

A situação de quatro famílias do entorno  da mina é ainda pior, pois elas precisam passar por dentro do empreendimento minerário caso queiram se deslocar para qualquer comunidade vizinha, já que a Sigma, sequer, fez novas estradas.

Isso significa que o acesso a escolas, trabalho, posto de saúde, mercado, lazer e casas de parentes, ou a volta para casa, ficam submetidos a regras da mineradora, que exige aviso prévio e pode negar a passagem por questões operacionais, como detonações ou trânsito de caminhões pesados. Um atropelo sem precedentes.

Apesar do histórico de violações de direitos, o MP detectou que a empresa vinha adotando estratégia publicitária de se exaltar como ambientalmente responsável. A tática, segundo a apuração, visava camuflar os danos causados para facilitar as negociações com investidores. "Esta prática de propaganda enganosa verde constitui uma forma perversa de desinformação ambiental, que facilita a captação de investimentos e o licenciamento ambiental às custas da externalização dos custos socioambientais para as comunidades locais", relatou o promotor Felipe Marques Salgado.

Em nota, a mineradora refutou "veementemente" as alegações do MP, alegando que a ação "não reflete a realidade das operações", e afirmou que vai comprovar no processo a improcedência das acusações. No entanto, existe um cenário de dificuldades financeiras na Sigma, que registrou prejuízo líquido em todos os últimos anos e que está com as atividades paralisadas desde que a empreiteira terceirizada se retirou da operação por falta de pagamento. Por isso, o MP afirma que “há fundado receio de que a condição financeira da empresa requerida se deteriore a ponto de não mais permitir que ela arque com as obrigações necessárias à reparação”, pedindo que haja a “fixação de medidas para bloquear valores em conta da mineradora para garantir a reparação ao final do processo”.

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